domingo, 17 de maio de 2015

Infância (Victor Colonna)

Houve um tempo de escola
E cócegas.
Onde nem tudo era bom,
Mas tudo era ou bom
Ou mau,
Sem meios-termos.

Feliz eu não era.

Desde pequeno
Eu nunca soube ser criança.

sábado, 16 de maio de 2015

perda (Vera Pedrosa)

há um instante
o tido-para-sempre
se afasta
o olfato não o restitui
torna-se pedra
desconhece-se a trama
foge o timbre
some a sombra
não se sabe mais narrá-lo

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A dialética do mundo me abraça (Laeticia Jensen Eble)

A dialética do mundo me abraça.
Não alcanço a razão do dia,
nem o mistério da noite.

Do pó da criação ao pó que na terra deitará
tudo se transforma e se justifica.
Somos um só corpo a respirar
o breve sopro da existência eterna.
Só o destino nos une ao futuro.
E nosso destino é viver o presente,
síntese do que foi e do que será.

A escuridão e a luz movem,
como alavancas indissociáveis,
esse imenso ser em contínuo duelo.
O preto e o branco
O quente e o frio
O mais e o menos
O céu e a terra
O tudo e o nada
O som e o silêncio
O nascer e morrer
Olhar e não ver
Estar e não ser
São instâncias da mesma realidade.
A harmonia se impõe na superação dos limites.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Dúvida (Laeticia Jensen Eble)

Caminho diariamente
Percorro as estradas gélidas
do deserto escaldante da dúvida
pincelando a vida
de erros e acertos
noites e oásis
frustrações e delírios
e dúvidas
A cada suspiro de alívio
uma nova dúvida
A cada projeto
A cada desafio
A cada sol
A cada lua
A cada pausa
A cada recomeço
Lá está escondida,
enterrada,
disfarçada:
a dúvida
Nada é absoluto.
Nada?

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Paisagem da miséria humana (Laeticia Jensen Eble)

Me espanto com o que vejo:
Não pode ser real.
Não pode ser humano.
Não pode ser.
Para mim, é efêmera paisagem.
Para tantos, é face cruel e permanente da vida:
a miséria humana.
A miséria é carniça.
Os urubus estão rondando.
E o assassino está no poder.
Da miséria que lhe agrada, sua criada,
é o criador.
Dia a dia planejando
o próximo golpe fatal da criação - da multiplicação.
Não dos pães. Da fome, da dor.
A miséria não fala,
não entende o que ouve,
nem pode entender.
Suprimiram-lhe as ferramentas.
O suor corrói a sua fé.
As mãos, ásperas, secas,
fendidas como o chão que a escora,
e talvez como a vida que insiste,
não oferecem perigo.
Somos todos egoístas!
As máscaras caem.
A aridez decompõe a noção da vida.
Por mais que joguemos terra, a cova se mostra
palmo a palmo mais funda.
A miséria cresce qual erva daninha.
A parasita videira mantém-se intocada.
Onde encontrar a raiz desse mal para cortar?

domingo, 3 de maio de 2015

Mu (Rodrigo Garcia Lopes - 1965)

É quando o céu se distrai
E, admirado, fixa o olhar
Em algo ainda por cair.
Prata fictícia, ornamento da mente,

A neve visível e real. Sábia,
Por se saber assim.

Então a memória, ignorante, captura
O que o sentido perdera.

Como um vazio que contempla
sua própria rachadura.

sábado, 2 de maio de 2015

Fugaz (Rodrigo Garcia Lopes - 1965)

passagem por uma paisagem,
lugar do onde, do ontem, do quando,
quantas palavras ficaram faltando
na boca cheia de imagens.
o outro é aquele que ficou à margem,
no espanto de um pronome,
no corpo de uma brisa suave;
o outro é como uma fome
pluma à deriva, à distância, ou quase.

estranho em sua própria viagem,
garrafa com uma mensagem,
olhar durando numa flor,
sem nome, secreta, selvagem.

Desterro, água bebida num trem,
peça incompleta, festa adiada, vertigem,
a cabeça sempre em alguém,
eu outro, eu todos, ninguém.